A fala é baixa, a respiração ofegante e os gestos lentos. Aos 86 anos, Ozires Silva é por fora o retrato de um homem que já fez muito e que, devido ao êxito dos seus feitos, poderia há muito estar em casa vendo a vida passar lentamente diante dos olhos. Mas esse não é o perfil do sonhador que arquitetou a Embraer, a terceira maior fabricante de aviões do mundo, atrás apenas das gigantes Boeing e Air Bus. A idade avançada pode limitar a mecânica do corpo, mas não é páreo para a mente aguçada e para o espírito empreendedor de um dos heróis brasileiros. Desafios do futuro foi o tema de palestra de Ozires, na noite de segunda-feira, no Teatro Municipal de Cascavel, para um público de mais de 600 pessoas.

Convidado para o 2º Fórum do Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável, Ozires falou de suas experiências, da importância de sonhar e de cultivar a liberdade de pensar e inovar. Ozires nasceu em 1931 em Bauru, no interior de São Paulo, e desde cedo, mesmo integrante de uma família humilde, chamava a atenção pelo pensamento apurado e pelas ideias que pareciam malucas. Seu encanto pela tecnologia desabrochou no ápice da 2ª Grande Guerra ao perceber que a vitória estaria ao lado dos países com as soluções mais inteligentes para enfrentar o inimigo. A criação pela FAB (Força Aérea Brasileira) do ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), em 1950, abriu a janela que o jovem tanto precisava para exteriorizar as suas paixões.

Ozires se formou em 1962 e o desafio então era saber se um dia o Brasil, que nem bicicleta fabricava, teria condições de se tornar competitivo na produção de aviões em escala comercial. A partir daí o jovem engenheiro passou a cultivar ainda com mais determinação a máxima de que ideias e sonhos persistentes e dedicados um dia se tornam realidade. Com uma equipe de apenas 60 pessoas e com pouco dinheiro, a meta era construir um avião que não enfrentasse a concorrência das empresas já mundialmente consolidadas no segmento. A oportunidade cresceu com o advento do avião a jato, que somente nos Estados Unidos deixaria 2,4 mil pequenas e médias cidades desassistidas. “Se lá ocorreria isso, imagine no resto do mundo”, refletiu Ozires, que então percebeu a oportunidade de desenvolver uma aeronave que pudesse ocupar esse espaço.

O destino conspirou para que a Embraer saísse do papel e colocasse o Brasil no mapa mundial da aviação comercial. O avião presidencial levando Costa e Silva precisou descer no aeroporto onde um primeiro modelo estava em fabricação. Lá, às 7h de um domingo, Ozires pôde conversar por uma hora com o presidente e informar sobre os projetos que estavam ganhando forma naquela estrutura improvisada. Costa e Silva gostou do que ouviu e sentiu a energia e o entusiasmo do líder que estava à frente daquele projeto que parecia pouco provável para a realidade brasileira.

Por meio de um decreto assinado pouco depois nasceria a Embraer, empresa que passaria a receber recursos públicos para a fabricação de aviões. No dia 22 de outubro de 1970 ocorreria o voo inaugural do Bandeirante, a resposta que a equipe chefiada por Ozires encontrou para enfrentar a nova realidade imposta ao mercado pelos aviões de grande porte. O voo foi um sucesso e a realidade da aviação nacional começava a alcançar a altitude de voo de cruzeiro. Desde o início um dos lemas centrais foi produzir aeronaves únicas e com marca própria, cuidado que contribui para pavimentar a rota que conduziria a empresa à condição de maior fabricante do mundo de aviões executivos.

A lista de produtos da Embraer é ampla e diversificada. Suas aeronaves rasgam os céus de mais de cem países e o Tucano é um dos aviões para treinamento militar mais conceituados inclusive em países tecnológicos como Estados Unidos e França.

Recentemente, a empresa, que foi privatizada em 1994, lançou o maior cargueiro a jato da Terra. O KC 390 recebeu, apenas no lançamento, 150 encomendas ao custo por exemplar de US$ 60 milhões. “Hoje, a empresa fatura US$ 17 milhões por dia e está entre as mais competitivas de um mercado onde conhecimento e tecnologia são imprescindíveis”, disse Ozires, perguntando se o Brasil tem condições de repetir esse case de sucesso. Ele mesmo afirmou que sim e citou alguns exemplos de empresas que têm a inovação e a excelência do que fabricam como referência.

Educação
Para uma plateia formada por pessoas que contribuem para refletir sobre a Cascavel do futuro, o engenheiro e ex-presidente da Embraer, da Petrobras e da Varig afirmou que um dos maiores desafios do Brasil é não perder o bonde da história e se fechar nele mesmo. Um país desse tamanho e com tantos recursos responde por apenas 1% do mercado mundial. Seus desempenhos em rankings associados ao conhecimento são pífios e há décadas não consegue resolver problemas, como a burocracia, a corrupção e o patrimonialismo, que o deixam refém de um passado que precisa ser superado com urgência. A solução mágica é uma só, de acordo com Ozires, investir em educação. “É tratar as crianças, que serão as próximas gerações, com respeito e responsabilidade”, ressaltou.

O pai da economia moderna, o norte-americano Peter Drucker, foi convocado pelo presidente chinês Deng Xiaoping para elaborar um projeto que pudesse colocar o país do oriente entre as grandes potências mundiais. E a revolução, que transformou a China em poucos anos em referência econômica, tem a educação como base. A Coreia do Sul também é um bom exemplo, garantiu Ozires, citando a qualidade e a lógica de inserção mundial dos sul-coreanos como modelo. “Uma sociedade educada produz sábios e líderes”, destacou ele. Por sua vez, os países sem planejamento que não crescem condenam sua população à miséria, à ignorância e à violência crescente.

Inovação
Além de vencer a corrupção e os interesses de pequenos grupos, o Brasil precisa investir alto em tecnologia e em inovação. “Mandamos minério de ferro aos chineses a setenta centavos de dólar o quilo e recebemos produtos de consumo acabados a US$ 2 mil o quilo. Isso precisa mudar”, afirmou Ozires. “Devemos enfrentar a concorrência mundial com preparo, coragem e bons produtos. Temos por aqui produtos de vários países, mas nós temos itens brasileiros à venda pelas ruas do mundo”, perguntou ele. Ao citar a importância do Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Cascavel, Ozires Silva fez menção à cidade de Austin, no Texas.

Na década de 1980, os líderes daquela cidade perceberam que ela estava empobrecendo e então atacaram a raiz do problema, que estava no êxodo de jovens talentos. Com a adoção de uma política séria, atrativa e de longo prazo, Austin é agora o quarto centro norte-americano que mais recebe investimentos. A sociedade organizada pode ajudar o poder público a identificar vocações locais e obras que estimulem o empreendedorismo e a qualidade de vida. “Devemos incentivar boas ideias e projetos, criar parques tecnológicos e ampliar as mobilidades, a exemplo do Aeroporto Regional que há tanto tempo o Oeste do Paraná defende”. Ozires disse que os brasileiros são convocados a não desistir do Brasil e que com entusiasmo, união, esforço e paixão tudo é possível.

Patrocínios
O 2º Fórum do Conselho de Desenvolvimento Econômico Sustentável de Cascavel contou com patrocínio da Itaipu, Fiep, Cotriguaçu e Unimed, e apoio da Prefeitura de Cascavel.

Legenda – Ex-presidente da Embraer, da Varig e da Petrobras, Ozires Silva ressaltou que sonhar é preciso
Crédito: Assessoria